“É um divisor de águas”. “É transformador”. Essas são as avaliações de duas mulheres de comunidades que participam do projeto de pesquisa agroalimentar Paisagens Alimentares, coordenado pela Embrapa Alimentos e Territórios Alagoas e financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que vem transformando comunidades rurais no semiárido nordestino.
Sem a presença do pai, Anatália Costa Neto, a Nat, a caçula dos dez filhos, começou a trabalhar ainda menina em casa de família. Também ajudava a mãe no mangue, pescando aratu e ostras.
Hoje, é uma das 14 integrantes da Associação das Mulheres Empoderadas de Terra Caída de Indiaroba, em Sergipe. Desde que chegou à comunidade, aos 18 anos, não saiu mais. Além do artesanato em crochê, macramê, madeira e conchas, agora, após a pesquisa da Embrapa, a comunidade desenvolve um projeto de turismo de base comunitária, que se tornou mais uma fonte de renda.
Nat foi reconhecida pelo trabalho que realiza, como a criação do hambúrguer de carne de aratu, um caranguejo típico da região. Segundo ela, o produto, que já era produzido, ganhou atratividade após o apoio técnico da Embrapa.
“O projeto me fez vender mais, saber como calcular o preço, que eu não tinha noção. Foi através deles que eu agreguei valor ao meu produto. Vendo na lanchonete e outras de fora pegam comigo. O turista vem e leva para o consumo próprio com uma caixinha de isopor. Muita gente leva para fazer em casa”, contou.
A orientação para agregar valor beneficiou também outros produtos, como biscoitos de capim-santo e de batata-doce, geleias, cocadas, compotas, bolos, pudins e mariscos.
“Assim a gente vai criando produtos para poder trazer mais fontes de renda para a nossa vida. São muitas coisas, é só a gente ter a ideia que vai fluindo na mente. Foi através da Embrapa que a gente foi conhecendo mais”, disse Nat.
Visibilidade
Ana Paula Ferreira, do assentamento Olho D’Água do Casado, em Palmeira dos Índios (AL), coordena um grupo de mulheres que também participa do projeto. Para ela, as mudanças foram significativas:
“É um projeto transformador, que está trazendo economia, liberdade e pertencimento, fortalecendo o que é nosso e o conceito de viver da agricultura familiar, mostrando o que há de mais belo no cotidiano dos agricultores que colocam a mão na terra para produzir o alimento saudável”.
O território está inserido em uma área de reforma agrária, cercada por paisagens turísticas, como o Pôr do Sol dos Cânions Dourados e os Cânions do São Francisco, o que amplia as possibilidades de geração de renda.
Ana Paula destaca que o projeto deu mais visibilidade à agricultura familiar e envolveu jovens que antes pensavam em deixar a comunidade. Além disso, houve expansão das atividades, como o artesanato feito a partir da biodiversidade da caatinga, incentivando a preservação ambiental.
“Muitas pessoas têm o conceito de que a caatinga está morta no período de seca, mas com os conhecimentos da Embrapa vimos que pode ser aproveitada o ano todo. A preservação aumentou ainda mais, porque as pessoas passaram a cultivar árvores nativas”, explicou.
Criação do projeto
O Paisagens Alimentares surgiu de uma articulação entre Embrapa e BID, com a proposta de valorizar a cultura alimentar e o turismo sustentável de base comunitária. Foram identificados cinco territórios e seis comunidades nos estados de Sergipe, Alagoas e Pernambuco.
Entre eles estão:
a Coopcam, cooperativa camponesa de Palmeira dos Índios (AL), que já produzia fermentado de jabuticaba;
o Assentamento Nova Esperança, em Olho D’Água do Casado (AL), com produção agroecológica e sítios arqueológicos catalogados pelo Iphan;
comunidades de Indiaroba (SE), com catadoras de mangaba e marisqueiras;
mulheres de São Cristóvão (SE), conhecidas como beijuzeiras, que mantêm receitas tradicionais como o beiju e doces conventuais;
a Associação das Marisqueiras de Sirinhaém (PE) e a Associação Quilombola Engenho Siqueira (PE), que dividem o território do manguezal de Guadalupe, explorando pesca artesanal e agricultura agroecológica.
Protagonismo feminino
Um traço comum entre as comunidades é o protagonismo das mulheres, que lideram associações, coordenam trilhas, organizam vivências e fortalecem a produção artesanal e agroecológica.
“Coincidentemente, todas as lideranças são femininas. Foi um projeto praticamente desenvolvido com mulheres rurais”, destacou o supervisor do projeto.
No Quilombo Engenho Siqueira, por exemplo, a tradição alimentar inclui o funje, prato típico de Angola, semelhante a um pirão, que evidencia a forte conexão cultural com a ancestralidade africana.
Informações da Agência Brasil