Lançado pela Fundação Heinrich Böll, o Atlas da Amazônia Brasileira deve contribuir para uma mudança urgente de perspectiva, para que pessoas do país e do mundo possam conhecer a região novamente. Desta vez, sob a perspectiva dos diversos habitantes do local.
Trata-se de uma publicação inédita com 32 artigos que abordam os desafios, os saberes e as potências da maior floresta tropical do planeta.
A iniciativa busca ampliar o debate sobre justiça climática e territorial em um ano marcado pela realização da COP30, na Amazônia brasileira. Entre os 58 autores e autoras, estão 19 indígenas, cinco quilombolas e dois ribeirinhos.
Para o coordenador da área de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil e coorganizador do atlas, existe uma visão de que a Amazônia é só floresta, mas existe uma riqueza singular na região que muitas vezes fica invisibilizada.
“A gente mal sabe que 75% da população da Amazônia é urbana. Tem povos e comunidades que há muito tempo trabalham na relação com a natureza, com formas de proteção e preservação ambiental e com a construção de um bem viver cada vez mais sustentável. É preciso colocar quem está nos territórios para ter um papel de protagonista nesses debates.”
Segundo da Fundação, entre 2019 e 2022, a Amazônia registrou recordes de desmatamento (principalmente para abertura de pastagem para criação de gado); garimpo ilegal em áreas protegidas (principalmente em terras indígenas da região); e cidadãos estimulados pelo avanço da extrema direita se armaram – entre 2018 e 2022 o número de pessoas com registro de armas na Amazônia Ocidental aumentou 1.020%.
Ao mesmo tempo, em 2022, a Amazônia reuniu mais de um quinto dos assassinatos de defensores do meio ambiente em todo o mundo: foram 39 ativistas assassinados na região, naquele ano.
Crises
Em 2023, o mundo teve acesso às cenas da crise humanitária vivida pelo povo indígena Yanomami, cujo território, nos anos anteriores, foi tomado pela atividade garimpeira ilegal.
No mesmo ano, a Amazônia foi assolada por uma intensa crise climática, com secas extremas e rios alcançando os mais baixos níveis já registrados, o que, além da morte de animais, impactou sua extensa infraestrutura fluvial, levando à escassez de água potável e alimentos, além da dificuldade de acesso aos aparelhos públicos.
Os danos não foram totalmente superados e outra seca atingiu a região em 2024. No mesmo ano, o bioma amazônico concentrou o maior número de focos de incêndio dos 17 anos anteriores, e o impacto da fumaça na qualidade do ar prejudicou a saúde de milhares de pessoas – sendo transportada pela atmosfera para outros estados das regiões Centro Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.
Outros biomas que compõem a Amazônia Legal, como o Pantanal e o Cerrado, também atingiram recordes de queimadas.
Assim, na avaliação da fundação, os últimos anos parecem ter desenhado um futuro sombrio para a Amazônia e sua população, seja pelos impactos do colapso climático na região, seja pelas disputas políticas que ditam não apenas o ritmo da intensificação de crimes ambientais, mas os interesses econômicos que orientam grandes projetos para a região.
“Em contrapartida, a Amazônia é território de uma efervescente mobilização de movimentos sociais, coletivos e organizações socioambientais que têm se tornado linha de frente das discussões envolvendo tanto a gestão territorial regional, quanto a agenda climática global”, diz a Fundação.
“Essa mobilização envolve a valorização dos modelos de pensamento dos povos e comunidades, que constroem relações com o território e seus seres bastante distintas daquelas que guiam os setores responsáveis pelo iminente colapso climático”, completou.
Crime organizado
No artigo Crime Organizado, os autores Aiala Colares Couto (professor e pesquisador na área de geografia da Universidade do Estado do Pará – UEPA) e Regine Schönenberg (Fundação Heinrich Böll) traçam as dinâmicas das facções criminosas na região amazônica.
Segundo eles, importantes rotas do tráfico de drogas passam pela Amazônia brasileira e controlam essas rotas; e os mercados locais se tornaram o objetivo das facções. Com a profissionalização do narcotráfico e sua relação com os crimes ambientais, a região vive um processo de interiorização da violência.
“Estudos apontam que, desde os anos de 1980, a bacia amazônica é utilizada pelo crime organizado. Na época, como um importante corredor para o escoamento de cocaína que entrava pelas fronteiras do Brasil com os países andinos, principalmente Bolívia, Colômbia e Peru, que até hoje se destacam como os maiores produtores de cocaína do mundo”, dizem os autores.
De acordo com Aiala e Regine, facções criminosas que antes atuavam na Região Sudeste passaram a ter mais presença na Amazônia, tais como: o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro.
Além disso, facções regionais passaram a se organizar na região instituindo relações de poder e controle dos territórios, a exemplo da Família do Norte (FDN), do Amazonas; e Comando Classe A (CCA), do Pará, fazendo alianças e enfrentamento aos grupos faccionais não-regionais, algo que contribuiu de forma significativa para os conflitos violentos na Amazônia.
A Fundação
A Fundação Heinrich Böll é uma organização política alemã presente em mais de 42 países. Promover diálogos pela democracia e garantir os direitos humanos; atuar em defesa da justiça socioambiental; defender os direitos das mulheres e se posicionar como antirracista são valores que impulsionam as ideias e ações da fundação.
No Brasil, a Fundação apoia projetos de diversas organizações da sociedade civil, organiza debates e produz publicações gratuitas.
Informações da Agência Brasil