A Câmara dos Deputados marcou uma audiência pública para debater a reforma administrativa em meio a temores de servidores quanto a retrocessos, especialmente pelo possível aumento das contratações temporárias no funcionalismo público.
Ainda sem texto final apresentado, a Casa retomou neste semestre, com prioridade, a agenda da reforma administrativa, inicialmente pautada pelo governo anterior por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32.
No lugar da PEC 32, o atual presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), criou um grupo de trabalho coordenado pelo relator, deputado Pedro Paulo (MDB-RJ). O parlamentar ainda não apresentou os dois projetos de lei e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que devem compor o conjunto da reforma.
O tema é controverso por opor, de um lado, setores que defendem redução de gastos do funcionalismo público e mais eficiência e, de outro, servidores e movimentos sociais que denunciam que parte das mudanças envolveria retrocessos e fragilizaria o serviço público.
O fim da estabilidade do servidor público – previsto na PEC 32 – não estaria mais na nova reforma, segundo o relator, que também nega retirada de direitos.
Contratos temporários
O diretor do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), Diego Marques, citou como retrocesso a previsão de criação de um cadastro nacional para contratação de funcionários temporários, o que seria um risco para a estabilidade no serviço público.
Segundo ele, mesmo sem dispositivo legal que viole diretamente a estabilidade, a tendência é que amplas áreas do serviço público deixem de ter concursos com esse direito. A disciplina de contratos temporários em lei, com empregados via CLT, poderia levar a um “fim indireto” da estabilidade, naturalizando essa forma de contratação.
A estabilidade no serviço público impede a demissão sem causa fundamentada e sem processo administrativo, sendo considerada necessária para evitar interferências políticas e pressões indevidas.
Marques também criticou a falta de diálogo com as entidades representativas dos servidores, apontando que a escuta tem sido feita apenas com entidades patronais e representantes do Congresso.
Eficiência
Defensores da reforma sustentam que o objetivo é dar maior eficiência ao serviço público, principalmente por meio da digitalização de serviços e critérios de avaliação de desempenho. O presidente da Câmara, Hugo Motta, tem defendido que o tema não pode mais ser adiado, argumentando que o Estado brasileiro não acompanha as demandas da sociedade.
Medidas da reforma
Apesar de ainda não ter apresentado o texto, o relator Pedro Paulo divulgou alguns pontos das cerca de 70 medidas previstas. Entre elas:
-
combate aos supersalários;
-
limitação do trabalho remoto a um dia por semana;
-
férias fixadas em 30 dias por ano (hoje juízes têm 60 dias);
-
fim da aposentadoria compulsória para magistrados punidos por irregularidades;
-
regras gerais nacionais para avaliação de desempenho;
-
metas de produtividade e bônus por resultados;
-
avaliação mais rígida no estágio probatório;
-
regras nacionais para concursos, com uso do Concurso Nacional Unificado também para estados e municípios;
-
definição de, no mínimo, 20 níveis na carreira;
-
salário de ingresso limitado a cerca de metade do valor do final de carreira.
Segundo o relator, o objetivo é cortar privilégios e modernizar o Estado, com foco em mérito e eficiência.
Críticas
Para Diego Marques, dirigente do Andes, o relator destaca apenas medidas de maior aceitação social para conquistar apoio, enquanto princípios da PEC 32 permanecem no novo desenho. Ele critica, por exemplo, o sistema unificado de avaliação de desempenho, que pode ignorar peculiaridades de cada autarquia e impor critérios produtivistas.
Outra crítica é ao bônus de produtividade, que, segundo ele, pode achatar salários e prejudicar a qualidade do serviço prestado, privilegiando metas quantitativas em detrimento do atendimento adequado à população.
As entidades do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) e da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (CondSef) prometem mobilização nacional contra a reforma administrativa.