Créditos: Gil Leonardi/Agência Minas
No Vale do Jequitinhonha, região nordeste de Minas Gerais, a exploração de lítio avança rapidamente e transforma o cotidiano de comunidades locais. Entre os municípios de Araçuaí e Itinga, onde se concentra a produção, o que era uma área de pequenas propriedades rurais e comunidades tradicionais se tornou palco de intensa atividade mineradora. A corrida pelo chamado “ouro branco da transição energética” — essencial para a fabricação de baterias de carros elétricos e outros equipamentos — tem gerado tanto expectativas econômicas quanto preocupações ambientais e sociais.
Moradores da comunidade Piauí Poço Dantas, em Itinga, relatam que a rotina foi profundamente alterada. O barulho constante das máquinas, a poeira no ar e o assoreamento de córregos são apontados como os principais impactos da mineração. A pedagoga Ana Cláudia Gomes de Souza, moradora da região, conta que a vegetação está sendo destruída e que montes de rejeitos vêm se acumulando próximos às casas. Segundo ela, “a mineração trouxe uma série de promessas, mas o que sentimos no dia a dia é o aumento da poluição e o medo de perder nossas terras e fontes de água”.
As comunidades indígenas também relatam consequências. Na Terra Indígena Cinta Vermelha de Jundiba, os moradores afirmam enfrentar problemas respiratórios, perturbação do sono e até situações de assédio relacionadas à chegada de trabalhadores de fora. Para eles, a mineração está impactando não apenas o ambiente, mas também a vida cultural e o equilíbrio social das aldeias.
O lítio é classificado pelo governo brasileiro como um metal crítico, essencial para a transição energética e estratégico para o futuro da economia verde. Por isso, o estado de Minas Gerais lançou em 2023 o programa Vale do Lítio, que busca atrair investimentos e ampliar a cadeia produtiva do mineral. O programa já soma cerca de R$ 6,3 bilhões em investimentos e promete gerar quase 5 mil empregos diretos, além de aumentar a arrecadação de impostos municipais e estaduais.
Empresas multinacionais como a canadense Sigma Lithium, responsável pelo Projeto Grota do Cirilo em Itinga, e a holandesa AMG Critical Materials, em Nazareno, lideram a exploração na região. O método utilizado é de mineração a céu aberto, considerado mais agressivo para o solo e o ecossistema. Apesar do impacto econômico positivo, moradores afirmam que os prejuízos ambientais e sociais têm pesado mais. A poeira das explosões e o aumento no trânsito de caminhões dificultam a vida cotidiana, e há relatos de contaminação da água e desaparecimento de nascentes.
O governo de Minas Gerais afirma que acompanha as operações e busca minimizar os impactos, oferecendo cursos técnicos e programas de capacitação para moradores locais. No entanto, organizações ambientais e o Ministério Público Federal cobram maior transparência e a realização de consultas prévias às comunidades afetadas, como prevê a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.
Especialistas alertam que, embora o lítio seja um elemento-chave da transição energética, a exploração precisa seguir princípios de sustentabilidade e justiça social. O desafio do chamado “Vale do Lítio” é garantir que o desenvolvimento econômico não repita os erros de outros ciclos extrativistas brasileiros — em que a riqueza sai do território, mas os impactos ficam com quem vive nele.