Um estudo realizado por pesquisadores do Centro Internacional de Equidade em Saúde da Universidade Federal de Pelotas (ICEH/UFPel) mostra que uma em cada 23 adolescentes brasileiras entre 15 e 19 anos torna-se mãe a cada ano. O levantamento também aponta um dado preocupante entre meninas de 10 a 14 anos: mais de 49 mil já vivenciaram a maternidade. Pela legislação brasileira, qualquer gestação nessa faixa etária é considerada resultado de estupro de vulnerável.
A pesquisa analisou a taxa de fecundidade entre adolescentes nos mais de 5,5 mil municípios do país. Os resultados indicam que um em cada cinco municípios brasileiros possui índices comparáveis aos dos países mais pobres do mundo. A taxa nacional de fecundidade na adolescência é de 43,6 nascimentos por mil adolescentes — quase o dobro da média entre países de renda média alta e muito acima das taxas registradas em países como Rússia, Índia e China, integrantes do grupo BRICS.
Segundo o epidemiologista e coordenador do estudo, Aluísio Barros, a expectativa era que o Brasil apresentasse indicadores semelhantes aos de países com nível de renda semelhante. “Mas o que observamos foi um padrão muito mais próximo ao de países de renda média baixa ou até de baixa renda. Por trás da média nacional, há uma falha sistêmica: 69% dos municípios têm taxas piores do que o esperado, e 22% apresentam indicadores tão altos quanto os de países mais pobres”, destaca.
O levantamento também revelou profundas desigualdades regionais. No Sul, a taxa é de 35 por mil, enquanto no Norte chega a 77,1 por mil. A maior concentração de municípios com taxas elevadas está no Norte (76%), seguido do Centro-Oeste (32,7%) e do Nordeste (30,5%). No Sudeste, apenas 5,1% dos municípios se enquadram nesse cenário, e no Sul, 9,4%.
A privação socioeconômica aparece como o principal fator associado às taxas mais altas de fecundidade. “Municípios com maior escassez de recursos, baixa renda, analfabetismo e infraestrutura precária concentram os maiores índices de gravidez na adolescência. Trata-se de um reflexo direto da exclusão social e da falta de oportunidades”, aponta o estudo.
Para os pesquisadores, os dados evidenciam que o Brasil tem falhado em proteger suas adolescentes. “A gravidez nessa fase da vida não é uma escolha, mas consequência de um contexto de vulnerabilidade. É necessário enfrentar as causas estruturais do problema — como pobreza, evasão escolar e falta de perspectivas — com políticas públicas eficazes”, reforça Barros.
O estudo também marca o lançamento de uma nova plataforma no Observatório de Equidade em Saúde, criada para monitorar desigualdades e dar visibilidade às iniquidades regionais no país. A iniciativa é fruto de uma parceria com a organização da sociedade civil Umane, que atua no fomento de projetos voltados à saúde pública.
A superintendente-geral da Umane, Thais Junqueira, ressalta que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece ações importantes, como acesso gratuito a métodos contraceptivos e programas de educação sexual, inclusive no ambiente escolar. “As pesquisas são fundamentais para compreendermos os múltiplos desafios que persistem. A gravidez na adolescência continua sendo um dos maiores, e exige respostas articuladas e o engajamento de toda a sociedade”, afirmou.