Se você está endividado e sem condições de pagar as contas, basta dar dois passos nos grandes centros urbanos para se deparar com a possíveis “soluções” para estes problemas. São ofertas milagrosas que prometem tirar o cidadão do sufoco, literalmente. Mas, como nem tudo que reluz é ouro, essas alternativas podem gerar muitos transtornos no futuro, como o agravamento das dívidas — sobretudo entre públicos mais vulneráveis, como os idosos.
Isso porque, segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC), é um direito básico ter acesso a informações claras e precisas sobre produtos e serviços, o que nem sempre é fornecido pelos estabelecimentos. Ainda de acordo com o CDC, o cliente deve ser devidamente informado sobre todas as condições contratuais, incluindo taxa de juros, prazos, valor das parcelas e eventuais encargos adicionais, antes de contratar um empréstimo.
Quando se trata dos aposentados, o assédio é ainda maior. Eles são atraídos pelas empresas de crédito consignado que oferecem facilidade, segurança e rapidez na resolução das dívidas. E, por estarem com a corda no pescoço, precisando comprar remédios, pagar tratamento médico e, em muitos casos, sendo arrimo de família — sustentando filhos e netos — os idosos se veem encurralados, precisando de dinheiro e com medo de terem o nome sujo na praça. Assim, recorrem ao crédito consignado, modalidade que desconta as parcelas automaticamente da remuneração do contratante.
De acordo com o advogado especialista em Direito Previdenciário, Jailton Oliveira, são elegíveis para contratação de empréstimo consignado: aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); trabalhadores formais, incluindo empregados rurais, domésticos e funcionários de microempreendedores individuais (MEI); servidores públicos das esferas municipal, estadual e federal, incluindo pensionistas ativos e inativos; militares ativos, inativos e pensionistas das Forças Armadas; e beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A situação vivida por “José”, aposentado que não quis se identificar, evidencia um golpe que tem se tornado cada vez mais comum entre beneficiários do INSS. Ao perceber a existência de um empréstimo que não havia contratado, ele buscou a instituição bancária para regularizar a situação. Foi então instruído a pagar três boletos — supostamente destinados à devolução do valor — emitidos em nome de um correspondente bancário. No entanto, os valores foram desviados para terceiros, e os descontos referentes ao empréstimo continuaram sendo feitos em sua aposentadoria, caracterizando um segundo golpe.
Segundo Jailton Oliveira, que também atua na área de Direito do Consumidor, o acesso facilitado ao crédito consignado tem levado muitos aposentados e pensionistas ao endividamento excessivo. O aumento do custo de vida, como despesas com saúde, alimentação e moradia, aliado à aposentadoria defasada, são atrativos suficientes para as inúmeras propostas oferecidas por instituições bancárias, contribuindo assim para o superendividamento. “É interessante que, na mesma proporção, haja um aumente no número de fraudes praticadas por correspondentes bancários que celebram contratos de empréstimo consignado sem o consentimento do consumidor”, afirma.
Contratar empréstimo consignado de forma remota também esconde alguns riscos para os consumidores, seja pela fragilidade no ato da contratação, pela exposição de dados pessoais e informações sigilosas, pelo risco de golpes ou pela dificuldade na comunicação. Essa modalidade reduz as chances de se obter informações mais precisas sobre os serviços contratados. Normalmente, os alvos das instituições financeiras que oferecem crédito consignado são os aposentados idosos, que, juridicamente, são considerados pessoas vulneráveis por diversos fatores que os colocam em risco.
Insegurança
A falta de segurança dos dados de consumidores junto ao INSS é fator preponderante para que aposentados e pensionistas sejam assediados, diariamente, com propostas de crédito consignado. Em alguns casos, os segurados ainda nem sabem da aprovação do benefício e já recebem ligações insistentes, com ofertas de empréstimos e outros serviços, o que causa muitos transtornos. “No meu escritório, recebo, em média, de três a quatro clientes (na maioria idosos) por mês que são vítimas de fraudes em contrato de empréstimo consignado”, aponta o advogado.
“O empréstimo consignado se revela mais seguro ao consumidor quando realizado de forma direta e presencial, em uma agência física bancária. Nessa modalidade, o cliente/contratante poderá analisar com mais segurança a cédula de crédito, solicitar informações referentes aos serviços contratados, além de reduzir os riscos de ser vítima de golpes”, esclarece o especialista.
Jailton Oliveira explica ainda que os correspondentes bancários são os principais responsáveis pela maioria dos contratos de empréstimo consignado. Apesar de iniciativas, como punições administrativas adotadas pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pela Associação Brasileira dos Bancos (ABBC), que tentam coibir o assédio comercial e as fraudes praticadas na oferta desse tipo de crédito, cresce o número de ações no Poder Judiciário — seja para discutir contratações fraudulentas ou para buscar equacionar o superendividamento dos beneficiários.
Esse aumento ficou evidenciado por dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que apontou um crescimento de 9,7% nas ações entre 2022 e 2023, e pelo grande volume de queixas em plataformas como consumidor.br e o Banco Central, canais usados para registrar problemas relacionados a esse tipo de crédito.
Alerta de risco
O golpe funciona de diversas formas. Por exemplo:
• De posse de informações e documentos como identificação, comprovante de residência e dados do segurado, o empréstimo é feito sem o consentimento da vítima, com falsificação da assinatura na cédula contratual. O valor é depositado na conta do consumidor que, na maioria das vezes, utiliza o dinheiro sem perceber.
• O cliente recebe, via whatsapp, uma proposta para contratação de um empréstimo e é solicitado o envio de cópias do documento de identidade, comprovante de residência e extrato de pagamento do benefício previdenciário. Em seguida, pedem uma selfie, sob a justificativa de que é necessária para confirmar a adesão a um cartão. Contudo, o consumidor é surpreendido com a efetivação de um contrato consignado.
É importante que, ao identificar qualquer movimentação estranha de crédito na conta, o consumidor procure explicações no banco para saber quem realizou a transferência e a qual tipo de contrato se refere a quantia. De posse dessas informações, deve-se consultar um advogado para providenciar a devolução do valor à instituição financeira e solicitar o pagamento de indenização por dano moral pelos transtornos sofridos. E, se houve o desconto de qualquer parcela do benefício, o cliente poderá requerer a devolução do montante descontado em dobro, acrescido de juros e correção monetária. “A importância de procurar um advogado para propor ação de nulidade de negócio jurídico e devolver a quantia ao banco se revela no fato de evitar cair em um novo golpe”, conclui Jailton Oliveira — atuante também em Direito do Trabalho.
Por Márcia Macedo