Aprovada como um marco histórico na regulamentação dos direitos trabalhistas, a Lei Complementar 150, conhecida como Lei das Domésticas, completa dez anos sem alcançar plenamente os resultados esperados. Embora tenha oficializado conquistas importantes, como jornada máxima de 44 horas semanais, pagamento de horas extras, adicional noturno, FGTS obrigatório e indenização por demissão sem justa causa, a informalidade ainda é a realidade da maioria dos trabalhadores domésticos no Brasil.
A categoria, composta majoritariamente por mulheres negras, segue enfrentando dificuldades para ter a carteira de trabalho assinada e acesso aos direitos garantidos por lei. Além disso, as diaristas seguem excluídas da legislação, o que gera um vácuo legal para boa parte dessas trabalhadoras.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), em 2022 o Brasil contava com 5,9 milhões de trabalhadores domésticos. Destes, 91% eram mulheres, sendo sete em cada dez negras. Apenas dois em cada dez profissionais tinham carteira assinada, e mais da metade (52,9%) era responsável pelo sustento da família.
Para Maria Izabel Monteiro, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio de Janeiro, a resistência à formalização reflete o preconceito enraizado na sociedade: “A classe média alta não considera o trabalho doméstico uma profissão, mas não abre mão de tê-lo em casa. Quem tem direitos trabalhistas precisa entender que a pessoa que cuida da sua casa e dos seus filhos também tem direito”, afirmou. Ela defende mais fiscalização, inclusive com blitzes em condomínios residenciais.
A coordenadora da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Creuza Maria Oliveira, aponta falhas na LC 150, como a exclusão das domésticas do abono salarial (PIS) e a limitação do seguro-desemprego a apenas três parcelas. “A equiparação de direitos precisa avançar”, defende.
Maria*, babá com décadas de experiência, lembra que ainda é comum ver profissionais da área ganhando menos que um salário mínimo, especialmente em cidades do interior. “Assinar a carteira foi um avanço, mas a desigualdade continua.”
Além da informalidade, a categoria convive com diversas formas de violência. Tâmara*, empregada doméstica registrada, relata episódios de desrespeito, assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. Mãe solo de duas crianças, ela complementa a renda como folguista e se encaixa no perfil mais comum dessas profissionais: mulher negra, pobre, chefe de família e com baixa escolaridade. Segundo a PNAD, 26,2% das trabalhadoras domésticas estavam em situação de pobreza em 2022, e 13,4% em extrema pobreza.
A desvalorização da profissão tem raízes históricas. Anazir Maria de Oliveira, assistente social e referência na luta das domésticas, lembra que, após a abolição, pessoas negras foram excluídas do mercado de trabalho formal, sendo relegadas ao trabalho doméstico sob condições precárias. “A relação entre patrões e empregadas repetiu a lógica da casa grande.”
Creuza Oliveira reforça essa leitura: “Durante décadas, os serviços prestados por essas mulheres foram naturalizados como obrigação, sem pagamento, sem valorização. Isso se perpetua.”
A deputada Benedita da Silva (PT-RJ), autora da PEC das Domésticas, alerta para outro ponto crítico: o trabalho doméstico análogo à escravidão. Para ela, garantir o cumprimento efetivo da LC 150 é uma tarefa ainda em curso.
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) afirma estar construindo caminhos legais para reforçar a fiscalização e garantir a proteção da categoria. A atuação conjunta com a Justiça, a assistência social e forças policiais está em discussão.
Casos de trabalho doméstico escravo podem ser denunciados pelo Disque 100, pelo sistema Ipê do MTE ou diretamente ao Ministério Público do Trabalho (MPT).
*Nomes fictícios foram usados para preservar a identidade das entrevistadas.
Informações da Agência Brasil